Chamada número 20: Dossiê Sáfico

2017-07-30
Chamada Criação & Crítica, n.20: Dossiê Sáfico - Literatura lésbica.

Os fragmentos de Safo escorrem do mar Egeu ao continente; soltos ao vento,
percorrem longo caminho, atravessam tempo-espaço. Fragmentos da ilha que
deu nome: Lesbos. No livro Pessoas lésbicas: material para um dicionário,
escrito por Monique Wittig, a página sobre Safo está em branco. Sobre ela,
pouco se sabe. Mas sabe-se: existiu.
Um dia, em uma sala de aula, alguém perguntou se existia algo como uma
escrita lésbica ou livros lésbicos. Existem, Nicole Brossard respondeu.
Existem e “são livros belos, inteligentes, emocionantes, que ninguém
nunca nota realmente, exceto aquela que, passando por eles, reconhece o
tremor, o grão de uma voz apaixonada, respirando subitamente como se o ar
ambiente se dilatasse de seu peso cotidiano, se surpreendendo e se
interrogando, como se um punhado de palavras a aproximassem agora de sua
própria história”. Sabe-se: existem.
Brossard também escreveu que “uma lésbica que não reinventa o mundo, é
uma lésbica em vias de extinção”. E, então, a página em branco sobre
Safo, do enigma e do vazio, faz a criação. Do vento, das correntes do
Egeu, são recolhidas nos continentes suas tiras de papel, os grãos da voz
que fazem respirar melhor. Safo inventada, pois sabe-se: existiu.
Nascer em ilha, Yourcenar escreveu, é seguramente um começo de solidão.
Não, Adrianne Rich responderia, há um continuum lésbico e, nele, a pessoa
lésbica extrapola qualquer espaço e atravessa qualquer tempo, sobrevive de
seu encontro com outras pessoas lésbicas. Resiste à extinção. Nos versos
de Anne Carlson, nas HQ’s, de Alison Bechdel. N’A cor púrpura, de Alice
Walker. No poço de solidão de Radclyffe Hall. Na Martha que recusa a
morte, de Audre Lorde. Em Cassandra Rios, que no título já diz Eu sou uma
lésbica
. N’O Corpo Lésbico de Monique Wittig que vai gritar “Glória
à Safo! Glória à Safo pelo tempo em que vivermos neste sombrio
continente!”. A literatura lésbica, sabe-se: existe.

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