n. 4 (2017)

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Na primeira metade do século XX, a institucionalização nos Estados Unidos e na Europa da História das Ciências como disciplina universitária também esteve ligada às suas potencialidades para o ensino de graduação em ciências. Por exemplo, o Journal of Chemical Education relata experiências norte-americanas pioneiras com a Química com este propósito. Um outro exemplo foi o livro Introdução à medicina [1931], de Henry Sigerist, rapidamente traduzido do alemão para outras línguas, que era um manual de iniciação do curso de medicina destinado aos jovens estudantes, mas escrito a partir de uma perspectiva histórica. No prefácio, o autor assim justificava essa nova empreitada: “Existe melhor procedimento para compreender uma ideia que fazer o leitor participar da sua elaboração? ”

Por outro lado, de acordo com a epistemologia genética defendida por Jean Piaget, os estudantes, em seus primeiros contatos com a ciência, utilizam explicações muito semelhantes às utilizadas no passado das ciências para entender determinados fenômenos. Essa espécie de recapitulação histórica no aprendizado das crianças e adolescentes tinha algo a contribuir para o problema observado cada vez com maior intensidade na segunda metade do século XX, de uma queda no nível e aproveitamento no ensino de ciências nas etapas que correspondem ao ensino fundamental e médio. Iníciou-se então uma discussão internacional sobre a possibilidade de se inserir o ensino de História e Filosofia da Ciência no currículo escolar. Defendia-se que isto poderia enriquecer e humanizar o ensino de ciência, e ainda melhorar a formação do professor para o desenvolvimento de uma epistemologia mais eficiente da ciência.

Na década de 1980 criou-se um projeto, vinculado ao departamento de Física de Harvard, para ser usado em escolas secundárias e baseado no uso da História da Ciência. Na Grã-Bretanha, a discussão também se inflamou e a partir da década de 1980 a introdução de História da Ciência no currículo equivalia a 5% do programa total. Desta forma procurou-se desenvolver nos estudantes a relação entre a mudança do pensamento científico através do tempo e sua utilização com os contextos sociais, morais e culturais em que estão inseridos.

Estas propostas também tiveram reflexos no Brasil, embora aqui o campo de História da Ciência ainda fosse muito mais incipiente, especialmente na sua relação com as graduações em ciências, tecnologia ou medicina. Na década de 1970, a FUNBEC em associação com a Editora Abril lançou Os Cientistas, reunindo kits de experiências famosas com biografias dos cientistas envolvidos. No entanto, tanto em termos de ensino não-universitário quanto universitário, muitos livros didáticos de matemática, ciências, física, química e biologia inseriram alguma informação de História da Ciência, mas em geral dentro de uma visão meramente factual e cronológica, um desfile pouco saboroso de nomes de cientistas e datas. Uma das poucas tentativas recentes que romperam essa visão meramente cumulativa foi o Grupo Teknê, oriundo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que apresentou em quatro volumes uma Breve História da Ciência Moderna (Jorge Zahar Editora).

Uma constatação bastante óbvia é que há um abismo na formação de professores separando ciências naturais de ciências humanas e que não permite a interdisciplinaridade necessária e condizente com o alvo de integração do conhecimento em todos os níveis. A edição deste número 4 da Khronos traz um dossiê que focaliza a temática História e Ensino de Ciências com seis artigos de especialistas que refletem sobre suas experiências práticas no Brasil. Esperamos que esta coletânea contribua para um aprofundamento do assunto e para uma sistematização de possíveis soluções aos problemas colocados acima.

Alguns artigos complementam a presente publicação, sendo que três deles tratam de aspectos diversos da história brasileira da saúde pública e um último artigo aborda a cientificidade institucional de uma área das ciências humanas.

Fechando este número, há uma tradução de capítulo da obra fundamental do biogeoquímico soviético Vladimir Vernadsky, O pensamento científico como fenômeno planetário. Escrito no final da Segunda Guerra Mundial e pouco antes do seu falecimento do seu autor, esse tratado de epistemologia é ainda pouco conhecido entre os leitores de língua portuguesa.

Publicado: 2017-09-11

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Editorial