Editorial Sankofa nº 6

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Resumo

Ao recolher o mundo dos antigos e sua narração, reconstitui-se automaticamente um pedaço do mundo que estava perdido. Incluem-se novas peças no quebra-cabeças, que de outro modo expressaria apenas a lógica da dominação. Isso permite à geração seguinte dos vencidos (ou dos desprezados?) ver a si própria como herdeira de certas tradições culturais, apontadas antes como arcaísmos e “manifestações do atraso”. Digo geração dos desprezados porque dificilmente foram vencidos. Para que fossem vencidos seria necessário que tivessem os mesmos objetivos dos supostos vencedores, que são, na verdade, apenas dominadores. Mas quase sempre, quando se vai buscar o depoimento dos “vencidos”, vê-se que eles se dedicaram a outros motivos que não aqueles descritos pelos seus inimigos e perseguidores. No caso, por exemplo, da cultura negra no Brasil, é claro que os negros não se dedicavam à destruição dos brancos, a queimar suas casas, etc, mas, contrariamente, a viver a sua (deles) própria vida e deixar viver os outros. É evidente que se a dominação européia permitisse aos negros que vivessem sua própria vida ela estaria condenada como enriquecimento e consequentemente como dominação. Daí que visse no projeto a destruição de si mesma. Daí considerar a liquidação do outro e seu projeto como uma vitória. Trata-se, contudo, de uma vitória do dependente, que deve renovar-se a cada dia, sob pena de desaparecer. Assim, os outros motivos do outro, os motivos do dominado, se encontram não nas relações com os dominadores, mas na busca de si mesmo. No esforço para construir cotidianamente sua presença no mundo, dá-se a materialização de seus motivos como atos culturais. Wilson do Nascimento Barbosa, A Capoeira Dura e a Religião Afro-Brasileira, pp.2-3. A citação acima do Prof. Barbosa é a inspiração de abertura para este editorial. Ainda se luta, em especial nas academias brasileiras, pelas condições políticas que favoreçam a elaboração de uma história antirracista, explicativa da realidade social e de nossa identidade cultural. Nesse sentido, a consolidação da Revista Sankofa como um veículo de divulgação das teorias, debates e estudos originais sobre a história africana e afro-brasileira deve ser ressaltada como um avanço nessa luta. Uma vez que as mídias de massa privilegiam os teóricos defensores das elites e os discursos racistas, faz-se importante destacar as ações que vêm sendo perpetradas por diferentes grupos e centros de pesquisa em diferentes lugares do mundo. A formação de redes de pesquisadores, listagens de indexação de títulos e publicações, cursos e seminários servem-nos como estratégias, instrumentos de educação e fortificação de ações integradas, auxiliares para a elaboração de políticas públicas articuladas aos movimentos negros e culturais, etc. O Conselho Editorial e os Editores da Revista Sankofa agradecem, portanto, aos seus leitores, colaboradores e divulgadores – professores, estudantes, militantes dos movimentos negros e outros que repassam, via blogs, os links e as chamadas de artigo da Sankofa – o trabalho desenvolvido nesses três anos. Este número 6 fecha o terceiro ano de publicação com textos que são resultado de pesquisas originais em diferentes regiões sobre a História Afro-Brasileira. Na seção Artigos, o trabalho de Jonis Freire A inserção dos Africanos na Zona da Mata – Minas Gerais, Século XIX, traz um estudo sobre demografia da escravidão. Nele aborda a inserção dos africanos em duas propriedades da Zona da Mata Mineira antes e após o fim do tráfico transatlântico de cativos em 1850. O artigo seguinte Liberdade, Liberdades: Dilemas da Escravidão na Sabinada (Bahia, 1837-1838) de Juliana Serzedello Crespim Lopes faz uma análise historiográfica e documental sobre as relações escravistas desenvolvidas ao longo da revolta liberal conhecida como Sabinada (Bahia, 1837-1838). Também sobre o século XIX na Bahia, mas abordando as práticas de cura, as autoras Jacimara Souza Santana e Andreilza Oliveira dos Santos apresentam o texto, Sangradores Africanos na Bahia do Século XIX (1825-1828). Nele têm-se dados sobre a atuação dos sangradores africanos, que na condição de escravos, davam assistência de saúde à sociedade baiana oitocentista. Por fim, o artigo de Maria Jorge dos Santos Leite Conceição das Crioulas: Terra, Mulher e Política, analisa de forma exemplar o movimento quilombola da comunidade de Conceição das Crioulas no sertão pernambucano. Ali se percebe a organização e a luta das mulheres daquela comunidade pela garantia da posse da terra e direitos de cidadania e igualdade étnico-racial. A seção Ensaios & Debates, neste número, apresenta de Muryatan Santana Barbosa História da África: Ética e Ciência; uma reflexão teórica sobre as perspectivas da História da África com pontos importantes para o debate da área. Já Petrônio Domingues nos brinda com a Resenha O Mistério do Simonal sobre o livro de Ricardo Alexandre, Nem vem que não tem: a vida e o veneno de Wilson Simonal, publicado em 2009 pela Editora Globo. A análise crítica sobre Simonal é o mote utilizado por Domingues para analisar contradições políticas no contexto da cultura musical brasileira. Por fim, o sexto número da Sankofa traz uma entrevista especial com o Prof. Wilson do Nascimento Barbosa em que são debatidos temas sobre a História, a Cultura Negra e a Luta Antirracista no Brasil. Não é muito fazer aqui um agradecimento caloroso ao professor Barbosa que foi, desde o início do projeto desta publicação, o maior incentivador, instigador e exemplo de competência intelectual e dedicação na luta contra a alienação que encobre a dominação econômica, política e ideológica que ainda pesa sobre nosso povo. A ele dedicamos esse número.

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Publicado

2010-12-06

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Editorial